A realidade das mulheres que lideram os lares brasileiros é o assunto em pauta na edição inédita do programa Caminhos da Reportagem que a TV Brasil apresenta neste domingo (13), às 22h. O episódio "Mulheres à frente - retratos da desigualdade" acompanha histórias daquelas que encaram diversos desafios no cotidiano.
A atração jornalística traz o depoimento de chefes de família, que revelam várias situações - algumas a serem comemoradas, outras nem tanto. A rotina dessas mulheres ganha espaço na programação da emissora pública. O conteúdo, que traz a opinião de especialistas, também fica disponível no app TV Brasil Play.
Nos últimos 10 anos, a maioria (51%) dos lares brasileiros passou a ser chefiado por mulheres, segundo um recorte da última PNAD Contínua, do IBGE. Em 2012, a liderança era dos homens, em 64% dos domicílios.
Estereótipos de gênero
A empresária Siomara Damasceno, de Brasília, é a cabeça dos negócios e da família, formada também pelo marido e o filho. Ela é dona de uma loja de materiais de construção e se tornou consultora a partir de vídeos que faz sobre o assunto para a internet.
"Eu acho que quando o homem é chefe da família, não passa pela cabeça dele se a escola do filho está ensinando o que realmente prometeu no dia da matrícula. Essas preocupações menores não passam pela cabeça dele", exemplifica.
Mesmo sendo um caso de sucesso nos negócios, Siomara enfrenta preconceito. Ela conta que, ao participar de um encontro nacional de sua área, sentiu o machismo. "Eu estava há três dias no evento respondendo porque meu marido não veio. Eles não viam que eu era a representante da minha loja", relata.
Para Renata Malheiros, coordenadora nacional de Empreendedorismo Feminino do Sebrae, as mulheres têm que se destacar em competências técnicas e socioemocionais, o que nem sempre é exigido dos homens. "Ainda vemos muitos olhares e conversas que são, na verdade, vieses inconscientes baseados em estereótipos de gênero”, afirma.
Mulheres chefiam mais famílias no Nordeste
A empresária Daniela Lacerda também sente essa diferença. Dona de uma rede de supermercados em Feira de Santana, na Bahia, há ainda quem se espante com sua liderança. "Eu encontrei muito mais barreiras e olhares minuciosos sobre a minha competência", lamenta.
Por ser nordestina, a empresária afirma que os preconceitos são ainda maiores. "A gente sente um pouco de xenofobia, de preconceito por ser jovem, mulher e nordestina. O sotaquezinho, às vezes, incomoda". Mas ela é categórica: "meu oxente ainda vai ultrapassar muitas barreiras".
O Nordeste é a região brasileira onde há mais mulheres chefiando lares no país, em 53% das residências, de acordo com a Pnad Contínua. Já no Sul e Sudeste, a maior responsabilidade ainda recai sobre os homens, com 51,3% e 51,2%, respectivamente.
Feminilização da pobreza
A aposentada Maria das Dores relembra a época pós-divórcio, em que criou os três filhos sozinha. Trabalhando de segunda a domingo, ela ainda conseguiu construir uma casa, mesmo com o dinheiro apertado. E reflete, ao relembrar o que passou: "Eu sei que eu fiz tudo que eu podia e mais um pouco, mas se uma pessoa sozinha faz o que eu fiz, imagina se eu tivesse mais suporte financeiro", pontua.
Para a economista e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Luiza de Holanda Barbosa, o dado que a maioria das famílias são chefiadas por mulheres também revela uma outra face da realidade: a feminilização da pobreza.
"Elas ganham menos que os homens, estão em empregos mais vulneráveis e quais são as implicações disso para essas famílias? Entre as famílias pobres, você tem uma maioria de famílias chefiadas por mulheres", avalia a estudiosa.
A diarista Iraildes Rodrigues vive isso na pele. Ela vem de uma geração de mulheres abandonadas por seus maridos, em que as mães se responsabilizaram pela família. Vivendo em um barraco de madeira, em uma invasão na capital do país, ela passou fome e teve dificuldades em criar os 8 filhos. "O mais velho cuidava dos menores, porque se eu pagasse alguém, eles não teriam o que comer", lembra.
Esse é o retrato das mulheres chefes de família da linha da pobreza, segundo Débora Thomé, cientista política e pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPESP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
"Quando você observa esse grupo, a maior parte das pessoas é de mães, pretas e pardas, que cuidam sozinhas de seus filhos, que não têm com quem compartilhar a renda. É um grupo ultra prioritário para se pensar em políticas públicas", defende.
Ficha técnica
Reportagem: Gracielly Bittencourt
Produção: Gracielly Bittencourt, Cleiton Freitas e Gabriela Braz (estagiária)
Apoio produção: Aline Beckstein (RJ), Louise Farias (TV Feira - BA), Gilvan Rodrigues (TV Feira - BA)
Repórter Cinematográfico: André Pacheco, Robson Moura
Apoio reportagem cinematográfica: Sigmar Gonçalves, Gabriel Penchel (RJ), Junior Araujo (TV Feira - BA) e Carlos Gomes (TV Feira - BA)
Auxilio técnico: Alexandre Souza, Dailton Matos e Carlos Júnior (RJ)
Edição de texto: Carina Dourado
Edição de imagens: Rivaldo Martins
Artes: Caroline Ramos e Alex Sakata